segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Psicoses Secretas



É verdade o que nos disse Becker: a natureza zomba de nós! Sempre que estamos prestes a dar um salto evolutivo e confirmarmos a nossa hegemonia, alguma entidade supra ou infra-humana devolve-nos ao nosso devido lugar ― aquele espaço indefinido entre a besta e D’us ou entre o trono e a latrina.

As ruas foram descobertas como indispensáveis extensões de nossas celas e, que sem acesso a elas, tornam-se cárceres onde executamos nossas patéticas ocupações. Com a certeza de que o aviso de ‘não perturbe’ estará afixado em nossas portas, aceitamos o recolhimento como uma dádiva para as nossas almas: fazemos elevados planos de leituras, meditações, estudos, mantras e orações. Basta, entretanto, a simples lembrança do motivo do nosso recolhimento para que os monumentos civilizacionais que erguemos para ocultar a nossa mais humilhante verdade sejam demolidos. Por isso, o uso de máscaras passa a ser indispensável para esconder as carrancas psíquicas. Em nossa memória a repulsa do corpo com os seus fluidos contaminantes, aponta a nossa repressão primordial que pretende afugentar-nos da realidade acidental da vida, com os seus perigos mortais. 

Em nossa atmosfera, uma dança nada espiritual de filetes de RNA debocha da nossa finita condição de matéria que se deteriora e padece numa morte humilhante, arruinando a nossa fantasia de sermos pequenos deuses da natureza. Assim, como mãe de dois filhos, somente no fim da minha terceira quarentena recebo o meu diagnóstico: assustadoramente neurótica. Também pudera, quem não enlouqueceria parindo anjos com ânus?


GUSMÃO, A. S. Psicoses Secretas. In: Quarentena: memórias de um país confinado. Brasil: Chiado, 2020, p. 39


quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O que é a Crise Econômica Brasileira



O país está em crise! 

Este é o resultado de uma pesquisa realizada em abril de 2015 onde 87% da população ouvida acredita que o Brasil está em crise. Segundo o instituto que realizou a pesquisa, o Ibope Inteligência, “o principal motivo para os brasileiros dizerem que há uma crise econômica no país é o aumento dos preços dos produtos e serviços (inflação), mencionado por 56%. Outras razões apontadas pelos entrevistados são: corrupção (34%), elevação dos juros (28%), desemprego, já que 19% conhecem alguém que perdeu o emprego e mais 8% dizem que eles próprios já estão desempregados, e alta do dólar (13%), entre outros”.
Inflação, Corrupção, Juros, Desemprego e Dólar. Este seria o placar da crise, mas afinal a conjuntura atual é mesmo um cenário de crise econômica? Será que sabemos o que caracteriza uma crise econômica?

segunda-feira, 23 de março de 2015

Neofilia: entrave para o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis

 “Vai chegar o tempo em que teremos de tomar consciência de que o maior problema político de nossa época está porventura ligado aos efeitos do domínio crescente que as firmas de estratégia mundial exercem sobre os Estados, não somente no terceiro mundo mas também na Europa”. (GALBRAITH, 1971, p. 91)

A tecnologia, por si só, não subsiste, não se forma. É pela ação e esforços humanos, por suas conjunções culturais e psicológicas, pelos agenciamentos coletivos e subjetivos que perpassa toda a evolução da tecnologia que se apresenta como o patrimônio da humanidade, como o legado da civilização da pré-história humana, conforme a tese de Marx. É por isso mesmo que temos a obrigação da desfazer o culto que a sociedade moderna rende à tecnologia em suas formas de manifestação. Sem compreender o humano em sua formação, sem admitir a primazia dos saberes na constituição do conhecimento, não poderemos pensar na construção de bases tecnológicas que auxilie verdadeiramente as sociedades a sair de seus estados de anomalias sociais, de exploração desumana e de atividades que desprezam a perspectiva criadora abrigada em cada ser. 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Estado, Mercado, Políticas Públicas e o cinismo de Ana

Ana encarnava o preceito de ser ética defendendo que era necessário manter-se ético nas escolhas econômicas e sociais e para tudo usava a racionalidade acrescida de bom senso e uma boa dose de ética. Certa vez Ana teve um filho a quem muito amava e em todas as escolhas de consumo Ana sempre optava por aquele que respeitava os seus princípios até que a criança atinge a idade escolar e tem início o dilema de Ana. Ana era uma mulher de posses, mas acreditava no ensino público embora todos os indicadores, palpites, opiniões e algumas constatações indicassem o contrário, mas Ana não se dobrava, mantendo-se firme em sua ideologia, ao mesmo tempo em que observava o quão frágil e precioso era o seu filhinho. Então a ideologia de Ana expõe sua fissura. Havia ali uma linha de fuga quando Ana constata que a segurança do sistema de ensino público era demasiadamente frágil e colocava em risco a integridade do seu filho querido. Como resolver tal caso? Era certo abrir mão de uma decisão que considerava ética em detrimento da segurança do filhinho ou era preciso abdicar da ética em prol do interesse individual? Ana não se conformava com qualquer das duas possibilidades. Estava certa de que não poderia abrir mão dos seus princípios e se debruça para uma solução. Ana resolve o dilema: decide ela que enquanto o seu pequerrucho necessita de proteção e que sua vida é muito preciosa para correr risco num sistema frágil ela deverá prover o filho com uma educação privada que oferece melhor segurança e que quando ele estivesse maior, depois de preparada as suas defesas, ela poderá finalmente cumprir com sua ‘obrigação’ ética e matricular o filho numa escola pública. Vejam! Ana resolve o dilema de maneira ética já que conseguiu dar a volta nos seus princípios e achar uma solução para o seu problema. 

sábado, 30 de novembro de 2013

Sociedade da Práxis Morta

Não podemos abandonar a hipótese de um neo-obscurantismo especializado, produzido pelos mesmos movimentos das especializações, no qual o próprio cientista torna-se ignorante de tudo aquilo que não concerne a sua disciplina e o não-especialista renuncia prematuramente a toda possibilidade de refletir sobre o mundo, a vida, a sociedade, deixando esse cuidado aos cientistas, que não têm tempo nem  meios conceituais para tanto. Situação paradoxal em que o desenvolvimento do conhecimento instaura a resignação à ignorância e o da ciência significa o crescimento da inconsciência (MORIN, 2005, p.17)

Que nos cobrem meios de resistir a esse conformismo, mas não me convidem aos sítios de lugares comuns, onde por tais paragens jazem teorias e escolas divisionárias. Que nos seja permitido cometer heresias teóricas, devolver filosofia à consciência e fazer com que a filosofia tome ciência.

Ora, qual é pois essa ciência que insulta a utopia que lhe alimenta? Qual é a ciência que vampiriza a sociedade e se alimenta de paradigmas mortos? Que ousadia é essa que vive a pedir paciência à miséria, às angústias e à esperança enquanto embriaga-se do vinho envelhecido? Não se apercebe ela que o vinho já se tornou vinagre e que o torpor é intoxicação que produz cegueira?

Não queremos essa ciência de oposição ao que está ao sol, brigando por uma ponta de claridade, mas que foge sempre do confronto final. Se diz ser prudente e alimenta a esperança de seus adeptos onde os mais humildes a obedecem obcecados em descobrir um pano de remendo e os mais ambiciosos anunciam a descoberta do véu de Isis. [PAUSA]

sábado, 15 de junho de 2013

Liberalismo cínico



Liberté, Fraternité, Egalité! Eis o ideário que fez homens célebres lutarem a favor de um novo sistema. Sistema que fosse capaz de destruir um velho modelo baseado na exploração e supressão da liberdade. Um sistema progressista que defendesse a liberdade e os direitos, a democracia e a moral. Para trás deixaria as antigas relações de desiguais, a submissão baseada no medo, a exploração sem disfarces e o horror de toda miséria atribuída aos ‘vagabundos’. O capitalismo nasce, então, liberal. Sucessor da decadência do regime econômico mercantilista e do surgimento da burguesia, seus postulados principais são a livre iniciativa e a livre concorrência em princípio sem qualquer interferência do Estado. Contra o sistema mercantilista, os fisiocratas no séc. XVIII pregavam um sistema de economia livre, natural e espontânea, sem intervencionismo e sem barreiras, estimulando o comércio e a produção de riquezas – "laissez-faire, laissez-passer, laisser-vivre”.

domingo, 12 de maio de 2013

A miséria de um consumismo opulento


Uma importante teoria do crescimento econômico defende que o consumo de massa é a última etapa que o coroa. Seria uma espécie de termômetro que sinaliza o aquecimento máximo da produção industrial e consumo de bens duráveis. Nesse estágio, haveria aumento da renda da população gerando demanda suficiente para sustentar o nível da oferta de bens. Então, se é preciso um alto consumo para crescer, o consumismo é desejável para que o país abandone o estigma do subdesenvolvimento?
Um alto nível de consumo estimularia a produção gerando empregos, aumentando a renda e formaria o círculo virtuoso da atividade econômica, mas não podemos deixar de considerar que também pode gerar inflação, endividamento e a insustentabilidade em longo prazo. Quando o assunto é consumo, há um problema muito mais complexo que se oculta sob as leis econômicas e que deve ser cuidadosamente analisado além das aparências e é esse o objetivo desse texto: dissertar sobre as causas que antecedem e impulsionam o consumismo.